Variações Flagelares de Salmonella Typhimurium e seu Impacto na Identificação Sorológica
Hans FröderA Salmonella, apesar de amplamente estudada, ainda representa desafios significativos, especialmente o sorotipo Salmonella enterica subsp. enterica sorovar Typhimurium (S. Typhimurium), frequentemente associado a infecções alimentares e de grande importância para a saúde pública. Essa bactéria pode causar enterocolites inflamação que afeta simultaneamente o intestino delgado e o intestino grosso , sendo a infecção adquirida principalmente pela ingestão de água ou alimentos contaminados. No Brasil, a Instrução Normativa nº 20 exige que os laudos laboratoriais indiquem não apenas a presença de Salmonella spp., mas também o sorotipo identificado, incluindo variantes monofásicas de S. Typhimurium encontradas em carne de aves. Portanto, para diferenciar as sorovariedades da espécie Salmonella enterica, utiliza-se o método oficial descrito na norma ISO 6579-3:2014, que estabelece diretrizes para a sorotipagem de Salmonella spp.
A classificação dos sorotipos baseia-se em três principais determinantes antigênicos presentes na estrutura celular da bactéria: o antígeno somático (O), os antígenos flagelares (H) e, em alguns casos, o antígeno capsular (Vi), este último associado à virulência em determinadas cepas de Salmonella. Os antígenos H estão relacionados às proteínas flagelares chamadas flagelinas, que podem ser expressas em uma ou duas fases. Nesse contexto, as variações flagelares de S. Typhimurium são fundamentais tanto para a definição do sorotipo quanto para a vigilância epidemiológica. Essa bactéria é bifásica, ou seja, possui dois tipos de flagelina (fliC e fljB), que são expressos alternadamente por meio de um mecanismo conhecido como variação de fase (Fig. 1), permitindo-lhe escapar da resposta imune do hospedeiro ao modificar a composição de sua estrutura flagelar.
Figura 1. Representação esquemática da variação de fase flagelar em Salmonella enterica. O promotor do operon fljBA (ponto de partida da transcrição) está localizado em um segmento de DNA invertível, cuja inversão é mediada pela recombinase Hin. Fonte: Bonifield e Hughes (2003).
Quando o operon fljBA está ativo (ON), a bactéria expressa a flagelina fljB, correspondente à fase 2, e também a proteína fljA, que atua como repressora do gene fliC. Com isso, a produção de fliC (flagelina da fase 1) é inibida. Por outro lado, quando o promotor do operon fljBA sofre inversão e se torna inativo (OFF), a bactéria deixa de produzir tanto fljB quanto fljA. Nesse contexto, como não há repressão, o gene fliC é transcrito normalmente, resultando na produção da flagelina fliC, característica da fase 1. Esse mecanismo de regulação permite à S. Typhimurium alternar entre duas formas flagelares distintas, caracterizando sua natureza bifásica.
Como exposto, a sorotipagem tradicional de Salmonella baseia-se na identificação de antígenos somáticos (O) e flagelares (H), sendo que a fórmula antigênica da S. Typhimurium é 1,4,[5],12:i:1,2. No entanto, cepas monofásicas, que expressam apenas um antígeno flagelar (geralmente i), como Salmonella 1,4,[5],12:i:-, têm se tornado cada vez mais frequentes, estando frequentemente associadas à resistência a antimicrobianos e a surtos alimentares. Dessa forma, as variações flagelares são fundamentais tanto para a correta classificação bacteriana quanto para a compreensão da adaptação e disseminação de cepas clinicamente relevantes. Apesar da sorotipagem convencional ainda ser amplamente utilizada, algumas limitações devem ser consideradas, como a aglutinação fraca observada em certas cepas de S. Typhimurium, o que pode levar a erros de identificação desse sorotipo de destaque.
Dada a relevância do tema e os desafios metodológicos ainda existentes, foi recentemente publicada a norma ISO 6579-4:2025, que propõe a identificação de S. Typhimurium e sua variante monofásica (1,4,[5],12:i:-) por PCR, com base em três alvos genéticos: fliA-IS200, fljB-hin e hin-iroB. O gene fliA regula a expressão do flagelo, enquanto o elemento IS200 está relacionado a alterações genéticas que podem afetar essa expressão. O conjunto fljB-hin inclui o gene da flagelina fljB e a recombinase hin, que permite a variação de fase entre os antígenos flagelares fliC e fljB. Já hin-iroB associa a recombinase hin com iroB, um gene envolvido na captação de ferro, essencial para a virulência da bactéria.
Em testes preliminares realizados pelo Unianálises, utilizando os três alvos genéticos em diferentes cepas de S. Typhimurium, apresentaram-se resultados consistentes com os critérios de interpretação definidos pela ISO 6579-4:2025. Diante disso, a adoção de metodologias moleculares atualizadas mostra-se essencial para superar limitações analíticas e assegurar maior confiabilidade nos diagnósticos, especialmente considerando a importância de S. Typhimurium como patógeno de alto impacto na segurança sanitária.
Referências:
Bonifield, H. R., Hughes, K. T. Flagellar phase variation in Salmonella enterica is mediated by a posttranscriptional control mechanism. Journal of Bacteriology, 185(12), 3567-3574, 2003.
Brasil. Instrução Normativa n° 20, de 21 de outubro de 2016. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/inspecao/produtos-animal/controle-de-patogenos/arquivos-controle-de-patogenos/SalmonellaIN202016Salmonella.pdf/view
Franco, B.D.G; Landgraf, M. Microbiologia dos Alimentos, 2. ed. - Rio de Janeiro: Atheneu, 2023.
Harrison, O. L., Rensing, S., Jones, C. K., Trinetta, V. Salmonella enterica 4,[5],12:i:−, an emerging threat for the swine feed and pork production industry. Journal of Food Protection, 85(4), 660-663, 2022.
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